Crítica: A Onda (Die Welle)

domingo, novembro 08, 2009

Normalmente eu não elaboro críticas de filmes que vejo em casa, mas apesar de me incomodar filmes repetitivos (cujo conceito já foi trabalhado diversas vezes), os filmes europeus que envolvem estudantes em uma posição crítica da sociedade sempre me surpreendem. Aconteceu recentemente com Entre os Muros da Escola, e agora novamente com A Onda (Die Welle). O filme é baseado em fatos reais, uma experiência chamada "The Third Wave" onde o professor Ron Jones questionou seus alunos sobre a origem de um movimento como o nazismo. A história já foi retratada em 1981 em um média-metragem para a TV.

A Onda fala de uma escola alemã (note que na Alemanha a maioria das escolas é mista, ou seja, não há uma divisão entre ricos, pobres, classe média, na maioria das vezes todos estudam juntos). Na escola, diferente do Brasil, os alunos são obrigados a escolher matérias eletivas, e uma dessas matérias é política, cuja classe é dividida entre autocracia e anarquia. O Prof. Wenger é um roqueiro invicto e quer pegar a turma de anarquia, mas o direto da escola o coloca entre os autocratas.

Wenger tem a idéia de lançar uma pergunta, seria possível um movimento ditatorial fascista surgir novamente na nova Alemanha? Os alunos dizem que não, dizem que deve-se viver para o povo e pelo povo. Nesta construção de comunidade, o preconceito contra os de fora, a expulsão de "traidores", a recriminação de idéias progressistas, tudo começa a sair do controle de Wenger até um ponto em que a massa se torna atraente demais para ser freada.

Como sempre digo, em arte nada se cria, portanto as referências estão espalhadas pela produção. As camisas brancas criticando o movimento Rosa Branca (critica-se o poder, mas se você estivesse no poder, o que aconteceria, seria a mesma coisa?), o filme de Julia Jentsch como Sophie Scholl (os panflhetos espalhados pela escola), os documentários nazistas (a câmera atrás da cabeça do professor mostrando a turba obediente), o garoto problemático (que me lembra Gus Van Sant), entre outras referências e técnicas clássicas do cinema ficção e documental.

SPOILER - Certas coisas no filme são um pouco forçadas. O garoto geek que é perturbado e leva armas para a escola, os bullies, os punks produzidos, os grupos em A Onda são estereótipos da sociedade alemã que normalmente você não vê com tanta frequencia andando pelas ruas (talvez nas cidades maiores).Também os alunos podendo perambular pela escola no meio da noite para tirar cópias e usar equipamentos escolares, e ainda, grafitar toda a cidade só correndo pelas ruas. Será que isso é tão fácil numa grande cidade alemã? Eu não vi isso quando fiquei lá por um mês.

já citei em posts anteriores o problema manipulado por Anna Freud. O descontentamento das massas, o desemprego, inflação, pobreza, enstrangeiros, existem diversos motivos para que pessoas descontentes sucumbam às idéias de um líder influente. Vemos isso nas prisóes americanas, na II Guerra Mundial, em países comunistas e socialistas, e em diversas outras situações. o problema não é julgar o movimento, a ideologia, o problema são as pessoas, estamos lidando com seres humanos que possuem comportamentos estranhos quando em cojunto, e mesmo o líder toma a posição do controlador, o führer, todas os seus julgamentos se tornam deturpados e inconsequentes.

Citando casos recentes, como a diretoria de uma universidade como a UNIBAN controlaria uma turba de estudantes caçoando de uma colega ou chutando o carro de outra? Melhor, por que a diretoria abraça a causa da massa e julga as estudantes sem reprimir o grupo? Não pense nisso como uma revolta, mas como um experimento psicológico. Você usaria a demagogia para apoiar e ter apoio do grupo, ou protegeria o outsider? No Brasil os políticos usam da demagogia para atrair os descontentes, e talvez só não chegue a uma ditadura por causa das pressões internacionais (quem conhece história sabe que o Brasil sempre jogou dos dois lados, Olga que o diga).

Destaque para a atriz brasileira Cristina do Rego, a rebelde rastafari que contesta o professor. Também as lindas atrizes alemãs Jennifer Ulrich, Odine Johne e Amelie Kiefer. Nota pessoal, o visual dos atores e locações está mais para subúrbio inglês do que o universo alemão (mesmo das cidades pequenas).

O média-metragem de 1981: http://www.youtube.com/watch?v=fwZdYuqKGdE&feature=related
O experimento original: http://en.wikipedia.org/wiki/The_Third_Wave (em inglês)


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Crítica: Distrito 9

sábado, novembro 07, 2009

Quando fiz mestrado tive um professor chamado Ronaldo. O Prof. Ronaldo fez com que nós fizéssemos um exercicio em ergonomia chamado "Caminhada da Empatia". A caminhada da empatia consiste em uma entrevista informal e amiga com alguém fora de sua realidade, social, cultural, emocional, etc. Esta pode ser uma prostituta, um morador de rua, um travesti, um refugiado, um morador de bairros perigosos, qualquer um cujo choque de realidade seja suficiente para mudar sua forma de pensar em relação ao outro, sobre aquelas coisas que você acha que aquelas pessoas são ou fazem.

Distrito 9 é um filme político. A novidade foi trazer a ficção científica para falar abertamente sobre o que podemos ver em qualquer país, inclusive no Brasil. Seja o medo daquilo que é "estrangeiro", o descaso com o que não nos afeta ou a perda de civilidade de um grupo que perdeu as esperanças dentro de um universo contra o qual eles não conseguem lutar.

Não é só contra grupos marginalizados. Quando sento em uma mesa com amigos mais tímidos, ou que não conhecem ninguém, puxo estes para dentro da conversa, nunca os deixo deslocados, mas creio que essa "marginalização" do próprio "amigo" acontece com muita gente sem mesmo perceberem. A própria empatia de uma autoridade menor, como um policial de rua, com um individuo pobre, mostra como a truculência pode sair ao controle (Zimbardo em Stanford que o diga, será que amizade depende de uma situação de igualdade? Não se pode ser amigo do diferente? Do menos hábil?).

Distrito 9 trata de uma nave alienígena que quebra em cima da cidade de Johannesburgo na África e paira por 3 meses até que o governo decide abrir suas portas lacradas. O governo descobre entãio que estão diante de quase 1 milhão de seres em más condições pois por 3 meses não tiveram comida, energia, produtos de higiene, como náufragos em terras desconhecidas. As autoridades decidem trazê-los para o chão e cria um assentamento embaixo da nave.

Aos poucos o assentamento se transforma em uma enorme favela descontrolada, grades e muros são colocados no entorno, a violência é enorme, a criminalidade se acentua. Para resolver este problema o governo decidade que fará um reassentamento dos alienígenas em outra região, mas para isso tem que despejá-los e deslocá-los, o que não é de interesse dos ETs. Ao bater de porta em porta na favela junto a uma tropa de choque, o chefe da operação entre em contato com uma substância diferente é daí começa a ação.

Atenção, SPOILERS. Como pode se ver no filme, a empatia só aconteceu no momento em que um humano começou a se transformar em um dos seres oprimidos. Todo o preconceito e pré-conceitos sumiram dando lugar a uma guerra por proteção aos direitos, um sentimento que creio eu muitos sentem ao decidir proteger o próximo.

Um bom exemplo são mães de classe média alta da zona sul carioca se juntando a mães pobres da Vila do João por que ambos filhos sumiram ou foram mortos por causa da violência. A empatia, a consciência da existência parece só ser percebida quando precisamos passar pelas mesmas emoções de perda.

A mensagem do filme é muito boa, mas esteja avisado que o filme é extremamente violento. E não podia ser diferente. A violência não é gratuita, ela é contextual e, sem quere entrar no mérito de citar Anna Freud e Edward Bernays, o maior medo do governo americano pós depressão e no pós-gerra, era que a população saísse de controle por causa de ansiedades, depressão, tristezas, o American Way of Life foi um produto de pesquisas onde foi implantado um sistema comportamentalista para que o americano comum estivesse feliz com sua condição, apoiasse o governo, apoiasse o crescimento.

Isto não é um discurso Marxista (odeio intelectual de botequim), mas se você ver (ou baixar na internet) documentários de Adam Curtis, vai ver que isso foi real e bizarro. Como controlar uma população que pode ficar descontente e sair do controle, sem necessariamente ter que gastar dinheiro com eles? Pela força? Julgando criminosos somente pela "falta de caráter"? Parece que as autoridades e senso comum acham que sim.

Você começa o filme simpatizando com a própria raça, no meio fica na balança, mais para o final fica do lado dos aliens e no final do filme torce para que Peter Jackson produza a parte II e Christopher volte com seu filho após 03 anos para resgatar seus compatriotas.

O filme não é tão bom assim, é um típico filme com uma idéia excelente e um encadeamento ruim. O chefe da operação parece mais um personagem de Sacha Baron Coen e os alienigenas são nojentos e rápidos demais para ajudar o espectador a compreender melhor a cena sem se preocupar em perder a história ou virar o rosto.

SPOILER - Se não bastasse isso, ainda tem o exoesqueleteo da tenente Ripley, ou um mecha de Ex-Machina no final do filme. Também não me agrada muito este conceito artistico de todo alineígena ter que parecer um inseto e ser nojento (foi feito para ampliar a repulsa do espectador que fica na balança?). O filme também me lembrou o mexicano La Zona de Rodrigo Plá por causa da expansão da favela e isolamento do problema.

Bem, em Hollywood nada se cria, tudo se copia. Nota 10 por terem escolhido Johannesburgo como locação. Manteve os curiosos longe das filmagens, usou pessoas da região e conseguiu transformar o filme em surpresa, algo que em Hollywood é quase impossível hoje em dia com todos os papparazi, jornalistas, curiosos, fãs e outros que estragam a emoção do boca-a-boca que existia nos anos 70 e 80.


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Crítica: Bons Costumes

sexta-feira, novembro 06, 2009

Parece que os melhores filmes que vejo sempre são aqueles que eu descubro quando vou ao cinema sem intenção, sem planejar, de surpresa. Hoje tive que esperar alguns amigos por duas horas e para matar o tempo resolvi entrar no Espaço de Cinema do Grupo Estação para ver Bons Costumes (Easy Virtue), um filme de época na melhor tradição inglesa.

Eu tinha duas horas, portanto tinha que ser o filme que estivesse começando naquele minuto. Li no cartaz que era com a Jessica Biel e comprei meu ingresso (Jessica não teve lá um inicio de carreira muito bom, mas por que não testá-la mais uma vez se O Ilusionista foi tão bom?).

Apesar de desde meus 8 anos de idade a minha relação com o inglês ter sido 80% dentro da cultura americana, me fascina o jeito inglês do inicio do século 20. A pomposidade, o sotaque aristocrata e é claro, as mentes livres que ousavam transgredir a sociedade (muito comum nos E.U.A., mas raro em terras britânicas). Este filme não tem nada de novo. Você já viu a aristocracia inglesa em diversos filmes, Adorável Julia, Howard's End, Muito Barulho por Nada, mas é sempre um prazer ver no cinema interpretações dignas de palcos shakesperianos e fazendo valer tudo o que Stanislavski escreveu.

Você vai ver o choque da cultura americana free spirit, a mãe manipuladora (pode-se dizer que a sociedade inglesa era matriarcal por suas rainhas?), as "irmãs de Cinderela" que nunca conseguem nada e são vencidas pela outsider, e o marido infeliz que é indiferente (mas não covarde) aos problemas do orgulho besta do restante da família.

Há muito tempo aguardava ver Dorian Grey com Ben Barnes (o príncipe Caspian de Narnia) e Colin Firth, mas velos juntos em mais um filme foi uma boa surpresa. Kristin Scott Thomas (A Outra - Boleyn Girl) deixa de lado o papel da mulher bonita sedutora da década de 90 e amadurece em papéis que até então eram dados para mulheres como Helen Mirren. O elenco de apoio, criados, vizinhos, trazem um toque de humor e de sarcasmo digno dos melhores textos de Oscar Wilde.

Não preciso nem falar muito de Jessica Biel. São aqueles filmes que te fazem perguntar se essas mulheres são assim mesmo na vida real. Um deleite visual ver as roupas de época no corpo curvilíneo da namorada de Justin Timberlake.

O filme valeu cada centavo (ainda mais agora sem carteira de estudante), e eu ainda saí do cinema pensando em tudo o que eu posso usar para forçar meu sotaque britânico. Um respiro em meio aos blockbusters que vi essa semana. Rosane Gofman, Tablado e CAL que me perdoem, mas se um dia os atores brasileiros não alcançarem esta excelência, tanto no talento quanto no ensino e aprendizado, sempre teremos os "atores de novela" fazendo cinema e teatro sem ter a mínima noção do que é interpretar para um público que quer mais cultura, e não mais do senso comum que atrai massas.


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Crítica: Bastardos Inglórios

segunda-feira, novembro 02, 2009

Um bom artista sabe diversificar suas obras, ou seja, se sente bem com um novo "produto", algo diferente que possa lhe trazer experiência. Na minha profissão é ótimo fazer o design de sites de e-commerce tanto quanto é bom fazer um site para uma rádio, entretanto, manter-me nos e-commerce geraria uma estagnação das idéias a ponto de criar o vício em técnicas, referências, etc.

Bastardos Inglórios não é um filme ruim, é um “Tarantino” da melhor qualidade, mas não é possível deixar de ver uma cena sequer sem se perguntar: É Pulp Fiction? É Cães de Aluguel? O filme dividido em atos, acontecimentos não-lineares, a mulher que quer vingança, a música a la Ennio Morricone, o diálogo canastrão (em interpretações memoráveis e engraçadas), tudo está lá para você ver de novo.

Bastardos Inglórios conta a história de um grupo de soldados americanos descendentes de judeus que, como os boina verdes no Vietnam, entram em território inimigo com alguns poucos homens para uma missão suicida, neste caso, matar 100 alemães cada um. Ao mesmo tempo uma mulher judia, sobrevivente do massacre de judeus na França, se esconde em um cinema sob outro nome enquanto prepara uma vingança inesquecível para aqueles que mataram sua família. O destino de todos irá se cruzar de uma forma tragicômica que irá surpreender até Joachin Fest.

Ter um Tarantino novo nos cinemas é tão excitante quanto saber que Woody Allen, Almodovar ou Steven Spielberg estão lançando um novo filme. São diretores que costumam acertar em 80% das vezes (senão mais), independente se você acha um mais “comercial” que o outro. Cenas e frases viram cult, viram jargões, entram para a história. Mas e se você tem mais do mesmo?

Diria que isso é um problema, mas no caso destes diretores, a fórmula parece dar sempre certo. Você sabe o que vai ver a seguir, mas você não liga. Da mesma forma, os atores milionários também não ligam e lutam por uma vaga nas produções independentes ou de baixo orçamento de diretores consagrados.

Quem me conhece sabe que sou um admirador da cultura alemã e fiquei muito feliz em ver atores conhecidos do cinema alemão e austriaco como Christoph Waltz, Daniel Bruhl (de Edukators e Adeus Lenin),Til Schweiger (de Agnes e Seus Irmãos), Gedeon Burkhard (o inspetor de policia do seriado Kommissar Rex) e Christian Berkel (que interpretou nazistas em A Queda, Operação Valquíria, Milagre de Saint'Anna e agora Bastardos Inglórios).

Não obstante, ao lado deste fantástico elenco germânico estão pequenas estrelas da tv americana contracenando com um Brad Pitt fanfarrão, em um papel memorável. Destaque para B.J. Novak, astro da série remake The Office com Steve Carrel. E para mais uma vez firmar minha crença, Melanie Laurent aparece em tela provando que as mulheres francesas são mais naturais, mais bonitas, mesmo sem maquiagem e despenteadas

Clichés "tarantinescos" a parte, Bastardos é um exercício dentro de um gênero que está sem criatividade desde que O Resgate do Soldado Ryan chegou aos cinemas em 1998. Não que seja algo novo, é o Quentin de sempre, mas ver guerra ao estilo Quentin, Luciano Vincenzoni, Sergio Leone e John Ford, não tem preço. Chega de câmeras pulando, películas desbotadas e recrutas gritando pela mãe, os Bastardos querem se vingar, ver sangue, tortura, escalpos, sem pedir para voltar para casa (e tudo ao som de David Bowie).

Claro que nenhum oficial do socialismo nacional iria agir como Christoph Waltz, mas assim como em O Grande Ditador ou Primaver para Hitler, é ótimo ver um nazista bem-humorado com sua própria condição de carrasco, lutando para sobreviver, não importa de que lado esteja.

Uma das cenas finais com Brad Pitt e Waltz ao rádio com o oficial americano é uma escola de teatro. Aliás, que me desculpem aqueles que não falam inglês (ou que não gostam de legendas), mas os sotaques e as entonações caricatas são 80% da diversão.

Trazer de volta esta "fanfarronice" nos diálogos, típica dos filmes da década de 40 e 50, foi uma ótima idéia para Bastardos. Até mesmo o aspecto sedutor de mulheres como Lauren Bacall está presente no último ato, na interpretação de Melanie Laurent. O queixo de Brad Pitt a la Marlon Brando é outra caracteristica sensacional da construção do personagem.

Enfim, assim como em Benjamin Button, não espere algo diferente (Button teve o mesmo escritor de Forrest Gump e isso ficou escancarado na tela), mas acredite, você vai se divertir muito, rir, torcer, ficar com raiva e até mesmo gravar algumas frases para o seu repertório. fique agora com a crítica de Isabela Boscov.


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