Empatia: As Pessoas são Diferentes

domingo, abril 11, 2010

Esta semana, estava eu no consultório médico aguardando uma consulta com uma doutora a qual frequento há algum tempo, quando esta me pediu que tomasse conta de um menino de mais ou menos 7 anos cujo pai foi comprar algo fora enquanto ela terminava os exames. O menino deveria esperá-lo. Como eu não era o próximo na fila de consultas (e ela não possui secretária), fiquei tomando conta do menino na sala de espera.

Começar uma conversa com crianças nunca é fácil. Você não sabe que idade elas têm, do que gostam, e até mesmo até que ponto o seu conhecimento do mundo infantil bate com a realidade (sem mostrar uma visão estereotipada do que é ser criança nesta década, os "Millenniums").

Como eu fiquei calado durante algum tempo jogando tetris no meu celular, o garoto eventualmente parou em pé ao meu lado e ficou olhando. Não demorou muito soltou o comentário "- Caraca, manero...". Não sou desatualizado. Conheço o mercado de games e sei que meu celular não é nenhum iPhone ou PSP, portanto a primeira coisa que me passou pela cabeça foi por que aquele garoto de 7 anos achava "manero" um jogo 2D, pior que 8 bits, cujas funcionalidades são básicas e monótonas demais para entreter uma criança de "atenção dividida" no século XXI.

Imaginei que ele estava era tentando puxar conversa, pois não tinha nada mais o que fazer, daí entrei no jogo social. Perguntei se ele tinha videogame em casa. Ele comentou que tinha o Wii e o Nintendo DS, mas que jogava mais o DS (a geração "Millennium" só fala DS, sem Nintendo). Comecei então a perguntar que jogos ele tinha e inseri na conversa a minha própria experiência com games baseado no filho do meu primo (Wii) e na minha recente aquisição, o PlayStation 3 (PS3).

O menino ficou empolgado. Uma hora ele parou e falou: "- Você não parece com nenhum adulto que eu conheço!". Nessa hora me passou pela cabeça que, ou eu sou infantil demais (ou geek), ou tenho um forte interesse pelo comportamento da geração "Millennium" ao ponto de me envolver com sua cultura (sempre conversei bem com pessoas 10 anos mais velhas, então ser infantil não parecia o caso). Depois pensei em tudo que absorvi entre os 20 e 30 de idade anos e percebi que eu lembrava, mesmo que não estivesse imerso, da maioria das coisas que outras gerações, hoje com 15, 20, 25 anos, fizeram em seu tempo de criança e de pré-adolescente (hoje tenho 30 anos).

Depois da conversa de games, o menino ficou curioso sobre com o que eu trabalhava. Tentei ser didático inserindo minha função (Arquiteto de Informação) no universo de conhecimento dele. Quando falei que era designer, a primeira coisa que passou na cabeça dele foi que eu fazia personagens de games e desenhos (queria entender a âncora de conhecimento prévio que o levou a isso). Expliquei que era mais ou menos isso, que na verdade eu trabalhava com TV interativa e internet, para deixar um site mais legal de usar, bonito, etc.

Perguntei então se ele já havia visto o "i" de interatividade no Cartoon Network. Ele disse que não tinha TV a cabo em casa, mas que já tinha visto na casa da tia, mas nunca usou. Daí eu expliquei que se ele apertasse o botão vermelho do controle remoto, o Cartoon mostraria jogos, brincadeiras e outras coisas que são parecidas com as coisas que eu faço no trabalho. Ele ficou super empolgado e disse "- Muito legal! Bom saber... Quando for na minha tia eu vou tentar" (para o terror de sua tia eu não disse que é pago).

Logo depois entramos em uma conversa de desenhos do Cartoon e da Nickelodeon, Star Wars (Clone Wars 3D), Brandy e O Senhor Bigodes, Bob Esponja e outros (que eu também curto, adoro animação com roteiros bem trabalhados), e mais uma vez ele mandou: "- Caraca, você não é como os outros adultos.". Daí começamos a contorcer os dedos e as expressões faciais com aquelas brincadeiras de criança do tipo "Você consegue fazer isso?". Logo após o pai chegou e ele foi embora.

Confesso ser um viciado em informação e gostar de coisas geek, mas nunca tive o comportamento frenético de nerds e geeks que compram mídias alucinadamente, gastam rios de dinheiro em livros e brinquedos (depois de adulto) e gastam tempo demais nessas atividades de escapismo. Entretanto, minha rápida busca por informação e atualização me mantém por dentro de assuntos dos mais variados mesmo que eu não dedique um tempo considerável a me envolver com atividades que não são da minha geração, da minha classe social, do meu gênero ou cultura (por que não ouvir música alemã, ler um autor beatnik ou ver um filme de Angola?).

Isto me faz pensar em todo meu trabalho como designer de experiência e de interação, nesta empatia com "o outro" para criar produtos e serviços que realmente são necessários, que importam e com os quais as pessoas criam relações. Quando você critica os novos "Guerra nas Estrelas" e uma criança de 8 anos conhece Star Wars de trás pra frente, o filme pode não ter uma boa história, mas foi o tom ideal para uma empresa atingir públicos-alvo específicos que possuíam certa expectativa do que iriam ver, ou seja, foram criados novos consumidores por pessoas que tentaram conhecer estes consumidores e acertaram.

Sentar em uma cadeira para tomar decisões de produtos e serviços não começa com uma boa idéia, não começa com desenvolvimento, não começa com parcerias, não começa com "mão-na-massa". O surgimento de um novo produto começa com o cliente, o que você sabe sobre o cliente, como ele age, com oele se relaciona, do que ele precisa, para que ele precisa, e se ele tiver o que ele precisa, como ele acha que pode usá-lo.

Vejo startups desenvolvendo produtos e gastando dinheiro de clientes por 01 ano, 02 anos (ou mais), sem ter nada no mercado (nem mesmo um teaser), sem conhecer absolutamente nada de seu cliente final, lidando com estereótipos, arquétipos falsos daquilo que acham que o cliente final irá pensar. Isso nunca deu certo. A não ser que você seja único e seu produto muito difícil de replicar, não adianta utilizar métodos ágeis, scrum, brainstorms, teorias fantásticas e processos de gerenciamento da última moda. Seu produto será um fracasso em pouco tempo se o usuário final não entrar na jogada.

Na última pesquisa qualitativa da qual participei, todos ficaram impressionados em como as classes C e D tinham forte conhecimento de novas tecnologias. Eu já sabia disso há algum tempo por lidar com indivíduos de diferentes tipos no meu dia-a-dia e me supreendeu que outros não soubessem desta característica. O exemplo é aceitável, as pessoas não são obrigadas a passar pela minha experiência, mas estereótipos são derivados de modelos mentais cujas conclusões nunca podem ser utilizadas para desenolver um produto ou serviço, neste caso foi ótimo que outros descobrissem, de forma prática, essa novidade.

Quando Edgar Schein propôs aos seus alunos que fossem às ruas e conversassem com mendigos, prostitutas, sem-teto, travestis e qualquer outro indivíduo que fosse radicalmente diferente do que eles estavam acostumados, estes percebem a quantidade de suposições que temos a tendência de fazer sobre a vida das pessoas sem conhecê-las e o quanto isso é prejudicial se determinados nichos são o seu consumidor/usuário final (até mesmo na sua vida pessoal).

As pessoas não têm a mesma bagagem que você, não carregam as mesmas experiências, e as dificuldades que elas tem (e a forma delas interpretarem o mundo) não é sinal de burrice, ignorância, falta de educação ou qualquer outra suposição que você possa fazer sem conhecê-las (ou com "achismos"). Modelos mentais têm que ser trabalhados pois não adianta os líderes de sua empresa exigirem certas funcionalidades de seu produto/serviço, pois não conseguirão exigir que o cliente final as use. Consulte quem realmente vai usar, apague suas idéias, torne-se o outro, o diferente.

O que vejo são pessoas usando esta premissa como mantra, achando bonito, trocando artigos, elogiando empresas estrangeiras, mas nunca aplicando (na verdade, no fundo, não acreditam, pois quando alguém de fora tenta aplicar é logo censurado por questões de custo, tempo ou líderes inexperientes que se dizem experientes apenas pelo tempo e locais por que passaram). O seu líder pode ser o seu modelo, mas ele não é o seu "guru", e o certo é ele dividir as decisões com a equipe, principalmente considerando aqueles da equipe que tem um conhecimento maior sobre os assuntos em pauta.

Todos sabemos que o projeto é um ciclo que vai e volta, que gera retrabalho (refactorying), que descobre-se coisas novas a todo momento, mas se sua equipe está fazendo e refazendo muitas vezes, alguma coisa está errada, e é bem provável que o erro esteja no início de todo o projeto, principalmente nos métodos de gestão, no inicio do projeto, na ignorância de quem é o cliente (mesmo que este seja uma criança).

O primeiro passo de qualquer projeto é entender, entender o cliente que te contrata, as preocupações da sua equipe, as relações com os seus fornecedores e como tudo isso se encaixa nas necessidades de quem vai usar aquilo que você quer colocar no mercado. Não vacile, entenda as pessoas, faça grandes amigos, crie marcas de sucesso e conquiste muitos clientes felizes.

Para os que ficam frustrados com a posição de seus chefes e empresas só posso recomendar o enfrentamento, bata o pé, explique, traga coisas novas, prove, mostre por que eles estavam errados e você estava certo. Se você não provar o seu ponto-de-vista nos métodos de trabalho você já foi derrotado por aqueles que se acham "certos" (por mais errados que eles estejam).

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