Crítica: A Fronteira da Alvorada

segunda-feira, abril 20, 2009

Hoje, mesmo doente, fiz uma daquelas "andanças" surpresa pelos cinemas de Botafogo. Na procura pelo "filme da hora", ou seja, o que estava começando naquele exato momento, entrei para ver A Fronteira da Alvorada (La Frontière de l'aube), principalmente por que no cartaz estava o ator de Sonhadores (de Bertolucci), Louis Garrel.

Conheço o trabalho de Garrel e de seu pai, por isso esta acabou sendo a escolha certa, nenhum arrependimento. Sem a pretensão de elevar o filme a um nível artístico exagerado, o diretor Philippe Garrel se atém a uma constante do cinema francês, a relação homem-mulher e as tragédias oriundas do amor, rejeição e por consequinte a perda.

O que me impressionou mais no filme foi como cada quadro se apresentava como uma linda fotografia preto-e-branco dos anos 60, um trabalho maravilhoso do diretor de fotografia que acentuou os contrastes dando um ar soturno, sombrio e ao mesmo tempo melancólico e romântico (não sei por que me lembrou Brigitte Bardot em filmes coloridos). As passagens de cena são similares aos filmes dos anos 60 de Truffaut (aquele pulo que não finaliza a cena anterior e nem introduz a próxima cena) e, sempre que uma cena necessitava ficar mais sombria, utilizava-se o círculo negro dos filmes mudos que abre e fecha para a passagem de cena (um ar quase expressionista).

O filme também é muito focado no movimento dos atores e nas expressões faciais. Eu já disse como fiquei impressionado quando entrei no Filmmuseum Berlin e vi aquelas telas com rostos enormes? É para isto que o cinema existe, para mostrar imensos closes em tela grande. Só o rosto da linda Laura Smet já fica um longo período na tela logo no incio do filme. Quanto aos movimentos, destaco a cena em que Carole (Laura Smet) está deitada no chão lendo um livro e se contorce para todos os lados, impaciente, uma cena linda com uma mulher linda, no melhor estilo do cinema francês (é como dizem, as mulheres francesas parecem mais naturais que as outras).

Sem enrolar e sem oferecer spoilers. O filme trata da relação entre o fotógrafo François (Louis Garrel) e a atriz em ascensão Carole. Carole é casada com um ator que está crescendo em Hollywood e quase não visita a cidade, o que dá margem a uma relação livre entre ela e o fotógrafo. Entretanto, a relação entre Carole e François começa a passar por problemas levando ambos ao extremo da culpa, depressão e a outro arco que se contrói devido a obsessão de ambos um pelo outro. Se eu contar mais estrago a diversão.

Não siga adiante se você ainda irá ver o filme. O que o filme tenta falar (talvez) nas entrelinhas é que, as mulheres tendem a sofrer por amor mas ao mesmo tempo querem jogar o jogo do ciúme, da rejeição, ignorando o parceiro sem se dar conta de que aquilo desgasta o outro. O homem por conquinte se afasta e a mulher acaba culpando-o pelo fracasso do relacionamento (sem entender que suas atitudes é que levaram à queda). A mulher real é sempre a metade da relação que tem a opção, ou seja, ela pode ter o amante, pode voltar ao marido e pode ainda se insinuar para um amigo em uma festa (como Carole faz na presença de François), mas no fundo está brincando em um jogo que não leva a lugar nenhum e que pode levá-la a perder o grande amor de sua vida.

Por outro lado, o homem não sabe lidar com este "grande amor", vivendo uma fachada de despreendimento que por dentro se materializa como dependência, a obsessão que faz crescer o medo de ser abandonado devido ao fato de que a mulher tem mais opções de relacionamentos novos do que ele. Entretanto, a mulher grávida retorna aos braços do homem na tentativa de manter uma relação e dar um bom pai para seus filhos, mas ela não enxerga que a combinação bom amante e bom marido/pai não existe, é preciso fazer uma escolha (como diz o pai de Eve, interpretada por Clémentine Poidatz). Todas estas caracteristicas podem ser definidas como puro e simples desentendimento consciente, ou seja, a tentativa de possuir e ao mesmo tempo jogar com o outro mantendo-se neutro no teatro da vida, a consciência é plena mas prefere-se não enxergar as consequencias.

O amor prisioneiro fica para sempre assombrando as novas relações, e François não consegue esquecer Carole, mesmo após sua morte, fica obcecado com o fantasma que lhe aparece de tempos em tempos através do espelho. Deixando a conversa pseudo-intelecutal de lado, recomendo este filme para todos, principalmente os que conseguem enxergar as minucias da fotografia e dos paralelos que o filme faz com situações da vida real. Copiando Marcelo Hessel:
"A certa altura, quando ele diz à sua noiva que não pode usar um salão nos fundos da casa do sogro como estúdio fotográfico "porque ali tem luz demais", há um significado embutido na frase: François prefere a imagem enevoada de uma idealização à luz da realidade."

Observação que os cinemas do grupo Estação se renderam de vez às propagandas no cinema. Uma das maiores reclamações dos frequentadores de cinema, as propagandas agora afetam até as salas "cult". Antes de começar o filme me abriu uma grande tela azul da TIM com uma menina estática na lateral direita. Daí um balão de quadrinhos sai da boca dela e dentro do balão passam os trailers! Meu Deus! Que bizarro foi isso! Se é para me dar comerciais, me dá o ingresso de graça!

Em breve críticas de Segurando as Pontas (Pineapple Express - 2008) e Appaloosa - Uma Cidade sem Lei (
Appaloosa - 2008)

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