Barton Fink e Idealização do Cliente

segunda-feira, junho 28, 2010

Esqueça videos na internet. O melhor video de liderança para mim é o filme Barton Fink dos irmãos Coen. Barton é um idealista vindo de Nova York onde consegue seu primeiro sucesso no teatro, um meio que está sendo substituído pelo crescimento da indústria cinematográfica. Chamado por um executivo da Capitol Pictures para trabalhar em Los Angeles, Barton acha que está se vendendo, mesmo assim decide que pode criar grandes coisas na sétima arte.

Nos primeiros dias em L.A., Barton fala para todos da vontade de retratar na tela o homem comum e não os avatares idealizados, o estereótipo, para ele a arte é mostrar o dia-a-dia do público que assiste filmes. Barton vive com diversas pessoas comuns em sua vida, os vizinhos que fazem sexo o tempo todo, o morador de cima que arrasta móveis e ainda, o vizinho bonachão Charlie, o reflexo de tudo o que Barton idealiza para seus personagens. No entanto, Barton parece ignorar seus vizinhos, e ainda corta Charlie sempre que este tenta contar mais de sua vida. Tudo o que Barton está preocupado é em falar a Charlie sobre como as coisas devem mudar, como os filmes devem ser, como a indústria deveria fazer.

No decorrer do filme percebemos que na verdade Barton nunca conheceu Charlie. Charlie na verdade se chamava Mundt e era um homem procurado pela polícia. Antes de fugir, Mundt deixa um pacote com Barton cujo interior Barton nunca sabe o que é, pois nunca o abre. O fato de nunca ter conhecido Mundt de verdade arruina sua vida, mas permite a Barton escrever o que ele acha ser sua obra-prima, neste caso, os próprios acontecimentos loucos que estão correndo na sua própria vida (o pacote, seus vizinhos, etc.).

Ao levar sua obra-prima ao executivo do estúdio, Barton tem uma surpresa. O exectuvo odeia o roteiro e dá uma bronca em Barton pois ele não entendeu o que é um filme. Como afirma o executivo, "se eu quisesse um drama, eu pedia para os 20 escritores que eu já tenho aqui". Barton então perde tudo, a única coisa que lhe resta é o pacote de Mundt, e numa cena inspiradora, Barton senta na praia tendo um deja vú ao ver uma garota sentada na praia, a mesma cena que ele tinha pintada em um quadro em cima de sua máquina-de-escrever.

Barton chega a L.A. como um líder. O executivo considera-o um gênio, mas Barton é modesto demais, acha que o problema está na forma como a indústria é conduzida. Entretanto, suas idéias o fazem ignorar sobre o quê e para quem ele está escrevendo. Barton tem pensamentos fixos que ofuscam sua percepção sobre a vida real das pessoas sobre as quais escreve, além de fixar suas idéias em temas que não interessam ao seu cliente final.

Quando Barton perecebe que está "quente", é o momento que ele vê que acabou, que as coisas estão saindo do eixo, que está ficando realmente "quente" e ele perdeu o controle da situação (mas ele nunca consegue perceber o porquê). O executivo do estúdio queria que ele fizesse algo para o público, e não algo de "arte", ou seja, algo baseado nas idéias dele sobre o que é o mundo (por que Barton ACHAVA que o seu conhecimento era suficiente para saber quem é o "homem comum"). Em uma cena furiosa, Barton grita que ele é "o criador", e que todos a sua volta não sabem de nada e não entendem quem é ele.

Barton idealiza tudo o que produz e esquece seus objetivos profissionais, confiando mais nas suposições do que no homem comum. A metáfora do pacote que nunca é aberto e a mulher do quadro talvez seja Barton mais uma vez ignorando a realidade, Barton não quer abrir a caixa, não quer descobrir o que há nela, sua vontade é permanecer no trabalho idealizado representado pela mulher do quadro. Sua vaidade e excesso de confiança o deixa cego para o que se passa à sua volta, ou seja, quem vai ver o seu filme.

Minha experiência trata de design, design thinking, usabilidade e áreas criativas, mas quantos líderes você vê por aí na situação de Barton? O líder é idealista, cita métodos e processos novos, endeusa empresas como o Google e a Apple, trás artigos e livros, troca links, vai a congressos, entretanto sua percepção do cliente final é tão idealizada (ou ignorada) que seus produtos e trabalho acabam arruinando sua carreira, a carreira da empresa, a motivação de seus liderados.

O pior é quando o produto precisa ser empurrado "goela abaixo" dos clientes com MUITA divulgação (um paleativo barato e inconsequente que dura pouco) ou fechado dentro de um monopólio (se sou o único que oferece, por que melhorar?).

O líder brasileiro tem essa característica. Ele não quer abrir o pacote de Barton. O pacote trás problemas, retrabalho, reclamações e principalmente no mundo de TI, pode significar produzir mais devagar. Os produtores do aplicativo FarmVille uma vez contaram que a tal fazendinha do Facebook já existia há muito tempo. Como seus primeiros idealizadores negligenciavam o próprio produto, estes novos empreendedores foram atrás das redes sociais para ver o que o público queria e fizeram algo melhor com a mesma idéia.

Quando você se preocupa mais em fazer correndo, fazer um produto idealizado e não considera o seu público, o risco é que você perca sua idéia para alguém que realmente se preocupa em perguntar e entender o que as pessoas querem, alguém que quer abrir o pacote. Você pode até ir bem por algum tempo, mas logo seu diretor ou presidente perceberá que você não faz a mínima idéia do que está fazendo pois você não conhece os desejos do cliente final e projeta baseado no seu próprio entusiamo e vaidade.

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